O RESULTADO DAS eleições venezuelanas do domingo passado indicaram mais uma vez a incapacidade da oposição de levar em conta as aspirações concretas e cotidianas dos venezuelanos, como um médico que decide um diagnóstico e ignora o dado mais básico do paciente, a temperatura que o termômetro está mostrando.
A estratégia do líder da oposição, Henrique Capriles Radonski, de transformar as eleições municipais em um “plebiscito” contra o governo saiu pela culatra: 76% dos municípios venezuelanos ficaram sob controle chavista e 23% sob controle da oposição, com uma diferença de 1,1 milhão de votos.
A opção de Capriles por transformar as eleições em referendo foi duplamente negativa para o seu bloco opositor. Por um lado, subestimou a força do chavismo no interior do país, naqueles grotões que só uma extensa e poderosa máquina política alcança – como a do PSUV, o partido oficial, ou do Ação Democrática, um dos dois que dominaram a política venezuelana por quatro décadas antes do aparecimento de Hugo Chávez.
Por outro lado, reduziu o mérito do desempenho da oposição onde ela mais consegue penetrar: as classes médias das grandes cidades venezuelanas, como Caracas, Maracaibo, Valencia, Barquisimeto – e até na simbólica Barinas, estado-natal de Chávez.
Que a proposta da oposição consiga ressoar nestes importantes centros urbanos e entre essa influente parcela da população, é um forte capital político que Capriles não soube aproveitar ao tentar medir forças com o regime no país como um todo.
Em um levantamento de opinião, a consultoria Hinterlaces perguntou aos venezuelanos se as eleições municipais representavam um plebiscito contra Maduro: apenas 5% disseram que sim.
“As pessoas estão olhando a proposta local, a liderança local, a solução de seus problemas imediatos. Estão colocando a sua conveniência pessoal antes da questão política”, disse o presidente da consultoria, Oscar Schémel, ao canal de TV Venevisión.
Em uma análise posterior ao pleito, Schémel escreve que a oposição precisa “primeiro abandonar esse discurso fatalista e negativo, deve propor e apresentar uma visão de país que lhe transforme em alternativa, abandonar os escritórios cômodos das entrevistas coletivas e começar a fazer política na rua”.
A verdade nua e crua é simples – e ao mesmo tempo difícil de entender, para uma parcela da oposição mais obcecada em tirar o chavismo do poder a qualquer custo (dando assim mais argumentos ao presidente Maduro para falar em “guerra econômica” contra seu governo) do que se preocupar com o dia-a-dia da população venezuelana.
Maduro, por outro lado, abraçou uma estratégia que, apesar de duvidosa, se mostrou eficiente. Adotando medidas heterodoxas para controlar a inflação, como botar na prisão empresários que vendem produtos a preços considerados abusivos, passou a ser percebido como um “protetor das maiorias”, disse Schémel.
Curiosamente, Schémel diz que é “irrelevante” se as medidas adotadas são “lógicas ou ilógicas” (uma das razões pela qual vejo poucos méritos em discutir se proposta A ou B é “populista” ou não).
Igualmente importante, as medidas “contribuíram para reposicionar a liderança do chavismo no país”, segundo Schémel. “Nicolás Maduro já (se converteu em) presidente e está construindo uma imagem própria, com atributos próprios.”
Esse tem sido um dos principais desafios de Maduro, espécie de filho de Chávez menos capacitado que o pai, que começou seu governo ameaçado pelo questionamento de aliados poderosos e o fogo da oposição que quase lhe derrotou nas urnas em abril.
(Leia aqui meu post sobre o tema: Santo Chávez, transição incompleta)
Mas, como digo sempre e pelo visto continuarei repetindo, quem quiser entender os rumos da Venezuela que olhe não apenas para o que acontece dentro do chavismo, mas principalmente na oposição.
Maduro pode e deve ser criticado pelos problemas do seu governo, mas se a estratégia da oposição é fiar-se apenas nisto, pelo visto ainda falta muito para colher os espólios.
Foto: Capriles em Cumaná (Daniel Guarache/Wiki Media Commons)